a cena bruta, a lida, a luta
a dúvida sutil, conflito
sons, silêncio. movimentos, pausa
ininterruptamente, um e outro
dois únicos
duo e duelo. dúplice
“Dúplice” é um espetáculo que surgiu a partir de um processo criativo, num formato de laboratório colaborativo, dentro do qual os dois intérpretes-criadores estiveram submersos em experiências corporais, sonoras e cênicas que envolveram linguagens da dança contemporânea, do teatro-físico, clown e pantomima, bem como da percussão vocal. Paralelamente, diálogos e reflexões acerca da condição e atitudes humanas perante a sociedade, afunilando para o comportamento do artista cênico, o artista de palco. Assim, pequenas questões-temas foram aparecendo - disputa, convenção, fragilidade, duplicidade de caráter, comportamentos políticos, a lida do artista – e incorporando-se às sessões de improviso.
Não era objetivo seguir, mesclar, encontrar, muito menos criar algum método ou estilo em específico e sim, experimentar - no sentido de explorar e descobrir - e ‘experenciar’ - no sentido de trocar experiências, tantos as corporais/vocais como também as que envolvem os desafios e vontades, os princípios e limitações de cada artista. As direções apontadas eram tanto aquelas que já nos eram familiares e repetitivas como também as que desconhecíamos absolutamente, dando oportunidade ao absurdo e ao grotesco. A princípio, não era objetivo alcançar resultados. O que pretendíamos era desenvolver um corpo cênico capaz de se sustentar sozinho, minimizando ou extinguindo completamente qualquer recurso que não fosse tão somente o próprio corpo com suas habilidades e limitações, com seus anseios e insuficiências, buscando um corpo persuasivo que pudesse demonstrar vigor e sutileza em qualquer ação, som, gesto ou movimento. Havia tempo suficiente para pesquisar. Desta forma, gradativamente, a partir das ações improvisadas e espontâneas foram aparecendo e se repetindo algumas estruturas cênicas, coreográficas e sonoras. Associações com as questões-temas foram se fortalecendo a partir daquilo que de início eram apenas anotações e vislumbres imagéticos. Destas associações surgiram reflexões mais aprofundadas e destas reflexões, um primeiro roteiro que marca o início de uma nova fase que pedia maior clareza e aperfeiçoamento acerca do que (e como) estávamos fazendo e sobre o que estávamos falando. Neste momento alguns outros artistas, reconhecidos como colaboradores, foram convidados a participar lançando olhares e perspectivas sobre o espetáculo, contribuindo desta forma, com novos desafios e possibilidades dentro da estrutura que vinha se formando. Desde sua estréia o espetáculo tem passado por transformações, sendo aprimorado em seus detalhes, tornando-o cada vez mais claro em seu enredo e com melhor nível técnico. Dizer que se baseia nesse ou naquele artista seria uma meia verdade, contudo nos serviu de inspiração, entre outras referências, o “Teatro Pobre” de Grotowski, a “Rítmica” de Dalcroze, a obra literária e cinematográfica “Clube da Luta” e o universo dos desenhos animados.
Serviu-nos de ‘combustível emocional’ a dupla indignação que sentimos enquanto brasileiros que não sabem como reivindicar por processos políticos mais honestos. Dupla porque há a indignação que sentimos por nossos governantes e a indignação gerada pela ausência das ações as quais deveríamos nos submeter para propor qualquer mudança nesse quadro. Também não deixa de ser uma alusão às infindáveis ‘duplas’ que brotam em nossa cidade que se sustentam sobre o título de ‘sertaneja’, mas que, em verdade, são cantores de uma música pop fácil e rasa – quando não de caráter chulo – em seu conteúdo, muito distante de qualquer realidade sertaneja, dito aqui de passagem.
Por outro ângulo, “dúplice” pode ser observado pela qualidade rítmica que lhe é conferida, tanto em seu aspecto sonoro-musical – desenvolvido ao vivo pelos próprios intérpretes, aludindo ao beat-box e a percussão vocal – bem como pelo próprio enredo linear (ou ainda, circular) que se desenrola como num processo sucessivo e ascendente de conflitos entre dois seres humanos. Ou seria apenas um com sua duplicidade própria? Com parco aparato tecnológico, a trama se desvela sustentada pela cumplicidade e o diálogo corporal num jogo físico, rítmico, cênico e sonoro. Desta forma, chegamos a – ou partimos de – uma “cena bruta” que é a própria lida do artista, a sua luta para se manter, convencer, existir. Dentro de um processo, entre conflitos, alternando sons e silêncios, movimentos e pausas, duo e duelo. Dúplice.
Serviço
Espetáculo: Dúplice
Atores/dançarinos: Rodrigo Cruz e Rodrigo Cunha
Dia: sábado, 12 de fevereiro de 2011
Hora: 20 h serviço e 21:30h apresentação
Local: Oficina Cultural Geppetto
Contribuição: R$ 25,00 adultos e R$ 10,00 crianças até 12 anos, inclui pizza, refrigerante, suco e a apresentação
Maiores informações: 3241 8447 – malotufo@gmail.com